Seis anos após o incêndio que causou a morte de dez jovens atletas no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, a Justiça do Rio de Janeiro absolveu, em primeira instância, os sete réus acusados pelo caso. A tragédia ocorreu em fevereiro de 2019, quando 26 jogadores das categorias de base dormiam nos alojamentos do clube.
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O processo, que tramitava na 36ª Vara Criminal desde janeiro de 2021, acusava os réus dos crimes de incêndio culposo e lesão corporal grave. A decisão, assinada pelo juiz Tiago Fernandes Barros, considera a ação improcedente, mas ainda cabe recurso.
Na sentença de 227 páginas, o magistrado destacou que não há provas suficientes para sustentar a condenação e que as acusações não se relacionam diretamente às funções exercidas pelos denunciados em suas respectivas áreas de atuação.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) havia pedido a condenação de todos os acusados em maio deste ano, após a oitiva de mais de 40 testemunhas.
Foram absolvidos Márcio Garotti (diretor financeiro do Flamengo entre 2017 e 2020), Marcelo Maia de Sá (diretor adjunto de patrimônio), Danilo Duarte, Fábio Hilário da Silva e Weslley Gimenes (engenheiros responsáveis pelas partes técnicas dos contêineres), Cláudia Pereira Rodrigues (responsável pelos contratos com a NHJ) e Edson Colman (sócio da Colman Refrigeração, empresa responsável pela manutenção dos aparelhos de ar-condicionado).
“Ainda que o evento tenha origem tecnicamente identificada, a imputação penal exige que o resultado se insira dentro do âmbito de risco controlável pelo agente. No caso concreto, a cadeia causal apresenta natureza difusa, envolvendo múltiplos fatores técnicos e estruturais, o que inviabiliza a individualização de conduta culposa com relevância penal. Essa constatação não elimina a tragédia dos fatos, mas reafirma que o Direito Penal não pode converter complexidade sistêmica em culpa individual.” Destacou o juiz.
Trechos das justificativas
Nos fundamentos da sentença, o juiz citou exemplos específicos para reforçar a ausência de responsabilidade penal individual.
Marcelo Maia de Sá – diretor adjunto de patrimônio do Flamengo: “É crível que Marcelo, no cargo de relevância que exercia, não soubesse do vencimento do alvará do Centro de Treinamento desde 2012, das sucessivas autuações da Prefeitura, e das reiteradas fiscalizações promovidas pelo Ministério Público e pelo Corpo de Bombeiros? É verossímil supor que, na sua atuação profissional no dia a dia no clube, jamais tenha tomado conhecimento dessa situação? De modo algum. Mas disso não se extrai responsabilidade penal. Nessa perspectiva, certamente a ausência de um alvará ou certificado do Poder Público não redunda no incremento do risco de haver a ignição de uma unidade de ar-condicionado, não se podendo falar em previsibilidade nesse caso, portanto”.
Márcio Garotti – diretor financeiro do Flamengo: “É um economista de longa carreira. É especialista em gestão de caixa, controle de execução orçamentária e contabilidade. Antônio não é engenheiro, arquiteto ou técnico eletricista. ANTÔNIO tampouco frequentava o CT “George “Helal”. Logo, conforme afirmado em AIJ, a compra de aparelhos de ar-condicionado ou outros insumos para obras no “Ninho do Urubu” passavam pelo seu crivo, eis que, em simples termos, eram operações que envolviam dinheiro. Todavia, as questões atinentes às manutenções técnicas passavam ao largo tanto das suas atribuições, quanto da expertise exigida pelo cargo, de modo que não se poderia exigir dele o conhecimento de um problema técnico específico no ar-condicionado de um dos quartos do alojamento utilizado pelos atletas da base”.
Danilo Duarte – engenheiro responsável pela parte técnica dos containers: “Não lhe cabiam atribuições de concepção ou execução de projetos técnicos de engenharia elétrica ou estrutural. Sua posição hierárquica era subordinada à direção administrativa e técnica da empresa, competindo-lhe sobretudo apoiar a interface entre produção e setor comercial, supervisionar cronogramas, acompanhar o fluxo de fabricação e viabilizar a logística das entregas. Em nenhum momento lhe incumbiu elaborar projetos de engenharia, certificar materiais ou analisar a conformidade normativa de segurança dos módulos (…) a atuação de DANILO limitava-se, em última análise, ao plano administrativo-operacional, sem ingerência decisória sobre as definições técnicas dos contêineres”. A decisão diz que ele não possuía expertise técnica para revisar materiais ou elaborar projetos de segurança contra incêndio.
Fabio Hilário da Silva – engenheiro eletricista na NHJ: “Não integravam suas atribuições a manutenção periódica de eletrodomésticos instalados, a fiscalização da rede externa de energia, a obtenção de alvarás ou licenças de funcionamento (ou de certificações de uso e qualidade dos contêineres, no caso da NHJ) ou a implementação de sistemas gerais de prevenção de incêndio, deveres estes confiados ao próprio Flamengo e às demais empresas terceirizadas contratadas pela agremiação (…) O trabalho de FÁBIO limitava-se, então, ao cálculo e desenho adequados do sistema elétrico interno inicial dos módulos, sempre em consonância com parâmetros previamente definidos e aprovados pelo cliente.”
Weslley Gimenes – engenheiro civil incumbido da parte estrutural dos contêineres: “Com efeito, em consonância com as provas, pode-se afirmar que, dentro estrutura hierárquica da NHJ, WESLLEY desempenhava uma função técnica específica restrita ao campo civil-construtivo, sem poder decisório quanto à escolha de equipamentos ou à manutenção dos módulos ou sistemas posteriormente instalados”.
Claudia Pereira Rodrigues – responsável pela assinatura dos contratos da NHJ: “A prova oral e documental colhida no processo delimitou com clareza os limites da atuação da ré, ou seja, restou demonstrado que CLAUDIA não possuía formação em engenharia ou arquitetura, tampouco interveio em qualquer decisão técnica relativa aos contêineres. A participação de CLAUDIA restringiu-se ao campo administrativo-comercial da NHJ, circunscrita à negociação, assinatura e trâmite contratual, sem competência técnica para decidir sobre materiais, projetar, instalar ou manter sistemas.”
Edson Colman – sócio da empresa que realizava manutenção nos aparelhos de ar condicionado: foi tido pela acusação como ponto inaugural para a cadeia de eventos. A decisão justifica a absolvição com “insuficiência de provas, dúvidas incontornáveis quanto à origem da ignição e da ausência de prova inconteste de qualquer conduta culposa individualizável atribuível” a ele nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. O juiz avalia que Edson era responsável pela manutenção e não pela estrutura dos contêineres.
Vítimas do incêndio no CT do Ninho do Urubu:
- Athila Paixão, de 14 anos
- Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, 14 anos
- Bernardo Pisetta, 14 anos
- Christian Esmério, 15 anos
- Gedson Santos, 14 anos
- Jorge Eduardo Santos, 15 anos
- Pablo Henrique da Silva Matos, 14 anos
- Rykelmo de Souza Vianna, 16 anos
- Samuel Thomas Rosa, 15 anos
- Vitor Isaías, 15 anos