Ressaca no Leblon: Ondas invadem o calçadão da orla
A Marinha do Brasil emitiu um alerta válido até terça-feira para o risco de ondas de até 3 metros no litoral do estado do Rio de Janeiro. A segunda-feira amanheceu deserta na Praia do Leblon, sem atletas, surfistas ou visitantes. Em vez disso, o ritmo da madrugada foi ditado pelas equipes da Comlurb, que usaram equipamentos pesados, vassouras e pás para remover a areia que o mar agitado empurrou em direção à Avenida Delfim Moreira, à ciclovia e ao calçadão.
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A cena não é inédita e pode se tornar mais frequente. Segundo especialistas, a ressaca não é um fenômeno novo, mas a tendência é que volte mais vezes e com maior intensidade. Diversos fatores contribuem para esse cenário, como as mudanças climáticas, fenômenos naturais e ações humanas.
O alerta de ressaca da Marinha, válido até a meia-noite de terça-feira, reforça a necessidade de atenção e preparação para eventos como esse, que desafiam a infraestrutura das áreas costeiras e requerem respostas rápidas das autoridades e serviços de manutenção.
“Apesar da Praia do Leblon ser relativamente larga, essa largura não é suficiente para criar atrito ou resistência contra o galgamento das ondas porque estão chegando a 3 metros de altura, então tem uma parede maior e joga uma massa de água muito grande. Então essa massa de ar galga, ela corre pela praia, e se não tiver largura o suficiente para criar atrito, ela vai chegar (nas pistas). Além disso, nós temos a questão do relevo, é uma declividade relativamente suave. Então, faz com que ela tenha mais condições de avançar continente adentro. Esses dois componentes estão dizendo: eu não suporto a intensidade das ondas que estão chegando. Além disso, temos a elevação do nível do mar” explica David Zee, oceanógrafo e professor da Faculdade de Oceanografia da Uerj.
O especialista destaca que ações naturais, inclusive as que sempre aconteceram, têm ganho uma dimensão ainda maior por conta de mudanças climáticas, em que o homem também tem sua parcela de contribuição. O mundo está mais quente: com 1,45°C acima dos níveis pré-industriais, segundo um conjunto de dados reunidos e analisados pela Organização das Nações Unidas (ONU), e 2023 com o título de ano mais quente já registrado, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Outro fator preocupante é a elevação dos níveis dos oceanos.
“Quando entra a frente fria, temos a maré astronômica, relacionada com a traça da lua e do sol. Então é constante, a cada 12 horas tem uma alta e uma mínima. Quando temos esse evento numa época de sizígia, quando o sol e a lua estão alinhados, temos a amplitude máxima, e isso eleva o nível do mar. E o que acontece a gente dá acessibilidade à onda onde ela não atingiria antes. Ao invés de quebrar longe, começa a quebra no muro. E tem a maré meteorológica, quando entra a frente fria, tem os ventos soprando. E temos que somar também a elevação do nível do mar, em que a onda, ao invés de quebrar longe, começa a quebrar em cima do calçadão, e então joga mais areia ainda.” explica David Zee, que completa, apontando uma das ações já em prática no país para mitigar o problema:
“A gente não tem volume de areia o suficiente para fazer resistência, que é feito com a quantidade de areia na praia. E o homem, o que faz? Quer estar debruçado na água e diminui a quantidade de areia disponível para o mar para contrabalancear a força do mar. Por isso que muitas praias do Brasil estão fazendo a renaturalização das praias, repondo a areia na frente da praia, porque não vai tirar os prédios, então, tem que chegar a praia para frente.”
A ocupação da cidade tão próximo ao mar tem seu preço e seus desafios.
“Isso é uma disputa de território. O homem quer morar cada vez mais perto na água do mar, e, com essas mudanças climáticas, a maior energização do planeta, mais calor, provocam uma força do mar mais forte. Então, ao mesmo tempo que a força humana avança para dentro da praia, a força do mar avança também pra praia, então começa ter interferências” resume o especialista.
Para David Zee, assim como a prefeitura anunciou um novo protocolo relacionado ao calor intenso, após os últimos meses de altas temperaturas acima da média, é o momento do município também pensar e implementar planos quanto à ocupação próxima ao mar e em como criar um bom convívio com fenômenos naturais que são cada vez mais esperados e potencializados.
“O Rio de Janeiro é um retrato não só para outros municípios do estado como no Brasil inteiro, então temos que, efetivamente, tomar providências. Não só constatar. É o famoso “e daí”? A partir daí o que vamos fazer? Vamos ficar olhando só?”